1 – O que é a refrigeração industrial ?

A refrigeração industrial é uma área de aplicação da engenharia em que o objetivo é reduzir a temperatura de corpos ou fluidos. Essa redução é realizada utilizando um fluido de contato, geralmente ar ou água, que entra em contato com o corpo/fluido em que se deseja refrigerar. Mas para que esse fluido de contato seja capaz de refrigerar o corpo/fluido, ele deve estar a uma temperatura mais baixa do que a do corpo/fluido. Para realizar essa redução de temperatura utiliza-se de um fluido denominado “refrigerante” e o força a realizar a evaporação e trocar calor de maneira indireta com o fluido de contato.

Parece complicado, não é? Mas é bem simples. Para que isso fique um pouco mais claro, precisamos entender como funciona um ciclo básico de refrigeração e é isso que vou apresentar pra você na próxima seção.

1.1 – Ciclo Básico de Refrigeração:

A imagem a seguir apresenta o funcionamento de um ciclo básico de refrigeração.

Figura 1 – Ciclo Básico de Refrigeração. Fonte: [2]

Ele é composto por quatro etapas : Compressão, Condensação, Expansão e Evaporação. Apesar de ser um ciclo, para efeitos de entendimento do sistema, considerarei o início dele como sendo na entrada do compressor representado na Figura 1 como 1. Assumirei também alguns estados mais comuns para esses pontos. Vale ressaltar que os estados podem ser manipulados de acordo com necessidade de projeto e capacidades de equipamentos.

1.1.1 – Processos do ciclo básico de refrigeração

Compressão (1->2): Nesta etapa o fluido refrigerante é comprimido por um compressor. Esse compressor acaba por ser como um “coração” para o sistema. Além de comprimir o fluido, ele é responsável por iniciar o deslocamento do fluido no sistema.

Quando se trata de um ciclo básico de refrigeração, o objetivo da compressão é entregar ao condensador um fluido em estado vapor de alta temperatura e pressão.

Condensação (2->3): No condensador ocorre a perda de calor do fluido para o meio em que ele se encontra o que causa a diminuição da temperatura do fluido vaporizado fazendo com que ele condense. Assim, o fluido de baixa temperatura e alta pressão é transportado para o dispositivo de expansão.

Expansão (3-> 4): Os dispositivo de expansão têm por finalidades provocar uma perda de pressão no fluido(expandir o fluido) e dosar a vazão que passará pelo evaporador. Essa perda de pressão é acompanhada de um decréscimo de temperatura significativo. Essas mudanças nas propriedades fazem com que o fluido saia do dispositivo de expansão em uma mistura líquido + vapor. Enfim, essa mistura líquido+ vapor é transportada para o evaporador.

Evaporação (4->1): No evaporador esse fluido refrigerante circula e ganha calor do meio em que ele está presente e, como resultado ocorre um aumento de temperatura. Assim, esse fluido é entregue ao compressor retornando ao estado 1 e reiniciando o ciclo.

1.2 – A oportunidade

Mas exatamente como podemos tirar proveito desse ciclo em nossos sistemas ? Lembra que no início da publicação mencionei que o objetivo principal da refrigeração é resfriar corpos e/ou fluidos? Durante qual processo de um ciclo básico de refrigeração acontece esse tal “refriamento do corpo e/ou fluido” ?

Sim! Exatamente isso que você está pensando! Na Evaporação!

Para ficar ainda mais claro, observe a Figura 1 novamente com foco no Evaporador. QL representa o calor absorvido do ar pela serpentina do refrigerador, representada pela linha dentro do evaporador. O ar ao entrar em contato com a serpentina de resfriamento é aquecido por meio da convecção forçada gerada.

Agora, você pode estar se questionando: mas esse exemplo não se assemelha muito ao que ocorre em um sistema de ar condicionado? Sim, se assemelha, mas sistemas de condicionamento de ar são diferentes de sistemas de refrigeração industrial em diversos fatores. Na seção 2, são apresentadas algumas dessas diferenças. Mas antes de partimos para esse tópico, gostaria de levantar mais um questionamento.

E quanto ao calor que o fluido refrigerante perde durante a Condensação?

Pois é. Isso indica que o meio em que o condensador está ganhou calor nessa etapa. O mais comum de se ver é a utilização de ar externo para realizar esse trabalho. Mas será que teria como aproveitar esse ar aquecido? Sim, é possível. Mas isso é tópico para outra hora. Para os leitores que gostariam de ler sobre isso agora, a referência [3] aborda o aproveitamento de calor em sistemas de ar condicionado e refrigeração.

2- O que difere a refrigeração industrial do condicionamento de ar?

Apesar das similaridades em termos de componentes fundamentais, como por exemplo: compressores, trocadores de calor, ventiladores, bombas, tubulações e dutos, o condicionamento de ar e a refrigeração devem ser tratados de maneira distinta já que os problemas que são apresentados em baixas temperaturas (refrigeração) não são os mesmos que apresentam-se no condicionamento de ar. Além disso, em termos de unidades instaladas em ambiente industrial e engenheiros especializados na área, o condicionamento de ar supera a refrigeração industrial. Isso acontece devido a maior complexidade dos sistemas de refrigeração e ao número de aplicações ser menor. Fora que os custos associados a refrigeração geralmente são maiores. Vale mencionar também que a refrigeração em geral exige uma maior precisão no controle de temperatura. Mas o que mais se destaca e que, em minha opinião, é a melhor forma de diferencionar esses dois sistemas é a faixa de temperatura de operação.

2.1 – Quais as faixas de temperatura de operação que se espera encontrar em um sistema de refrigeração industrial?

Em um sistema de refrigeração espera-se temperaturas de limite inferior como sendo de -60°C ou até -70°C e limite superior de 15°C. Abaixo desse limite inferior seriam aplicações de criôgenia, como por exemplo, a produção e utilização de gás natural liquefeito, oxigênio e nitrogênio líquidos. Já acima do limite superior, seriam as aplicações de ar condicionado. É claro que existem situações em que deseja-se utilizar de sistemas de ar condicionado para atingir temperaturas abaixo de 15°C. Mas serão casos especiais/ específicos para determinadas aplicações. Geralmente, o condicionamento de ar é realizado para trazer conforto térmico e/ ou ter controle de umidade devido a alguma condição de processo específica. Aplicações dessa natureza geralmente utilizam de temperaturas acima de 15°C.

Com essa faixa de aplicação ampla, as aplicações se tornam bastante variadas, mas gostaria de focar nas relacionadas à área de alimentos e bebidas.

3 – Como a refrigeração industrial se apresenta na área de alimentos e bebidas?

Na indústria de alimentos e bebidas a refrigeração industrial se apresenta, principalmente, como forma de aumentar o tempo de exposição dos alimentos. Na Figura 1, tem-se uma estimativa do tempo de exposição de diversos alimentos em função da temperatura armazenados em atmosfera controlada de dióxido de carbono.

Figura 2 – Estimativa de tempo de exposição de diversos alimentos em funçãp da temperatura: (1) Frango , (2) Peixe, (3) Carne, (4) Banana, (5) Laranja, (6) Maçã, (7) Ovos e (8) Maçã. Fonte: [1]

Observa-se que a medida que reduz-se a temperatura, o tempo de armazenamento aumenta consideravelmente. Mas, vale ressaltar também que muitos alimentos não exigem condições de congelamento para preservar suas características, o que leva a pensar em condições ótimas de armazenamento levando em consideração os aspectos econômicos e energéticos das aplicações.

Outro ponto importante de se mencionar é que atingir o ponto de congelamento da água, não necessariamente equivale a dizer que o produto estará congelando, afinal os produtos não são feitos somente de água. Dessa forma, é possível realizar o armazenamento de diversos produtos em temperaturas abaixo do ponto de congelamento da água, sem que ocorra a formação de gelo.

Na Tabela 1, tem-se temperaturas recomendadas de armazenamento, sem congelamento, de diversos alimentos.

Tabela 1 – Temperaturas recomendadas de armazenamento, sem congelamento, de diversos alimentos. Fonte: [1]

Vale mencionar que, com frequência na colheita, as frutas e legumes se encontram levemente aquecidas, e para evitar a deteriorização delas de maneira precoce, resfriá-las rapidamente em câmaras de resfriamento rápido se torna uma tarefa prudente.

3.1 – Principais técnicas de congelamento rápido

Técnicas de resfriamento rápido também são utilizadas em aplicações em que o objetivo é o congelamento. Na verdade, as tecnologias de resfriamento rápido foram essenciais para o avanço da indústria de congelados, já que possibilitaram a redução do tempo de congelamento de dias para horas. Além disso, essas tecnologias impedem a formação de microcristais de gelo dentro da estrutura do material.

Existe uma grande variedade de técnicas de resfriamento rápido, mas venho destacar as mais usuais:

  • Resfriamento por túneis de congelamento utilizando ar em alta velocidade (air blast) ;
  • Resfriamento/congelamento por contato, onde os alimentos, embalados ou não, são dispostos entre placas refrigeradas;
  • Congelamento por imersão do alimento em salmora em bvaixa temperatura;
  • Congelamento criogênico, em que fluido criogênico no estado líquido (N₂ ou CO₂) é espargido no interior de uma câmara de congelamento.

Por se tratar de uma aplicação de grande complexidade e que muitas vezes exige um grau maior de segurança, é importante que as pessoas envolvidas com o sistema estejam atentas a anormalidades. Com o intuito de deixar na memória , na seção a seguir apresento alguns dos problemas mais comuns relatados em sistemas de refrigeração.

4 – Quais os principais problemas encontrados?

No caso de sistemas de refrigeração industrial, os principais problemas encontrados são:

  • O superaquecimento da sala dos compressores;
  • Alta pressão de sucção no compressor;
  • Baixa pressão de sucção no compressor;
  • Alta pressão na descarga do compressor;
  • Ruídos estranhos durante a operação;
  • Baixa pressão de óleo no compressor;
  • Sobrecarga em excesso no compressor;
  • Umidade no sistema;
  • Congelamento na sucção do compressor;
  • Ar no sistema.

Como referência de soluções para os problemas apresentados acima, recomendo o artigo publicado pela Refconhvac [4].

5 – Tendência de mercado

Por fim, gostaria de mencionar o que vejo como tendência no mercado de refrigeração, e que na minha opinião vale para diversas outras áreas da engenharia.

Com o avanço das tecnologias de modelagem computacional, incluindo algoritmos de aprendizagem de máquina e inteligência artificial, e a crescente necessidade de otimização de sistemas por questões de sustentabilidade e para redução de custo de operação, acredito que será cada vez mais frequente a existência de modelos computacionais para análise dos sistemas, a partir da coleta de dados em pontos específicos, buscando pontos ótimos de operação. Inclusive, nesse ano a IIAR ofereceu um webinar em parceria com uma empresa que atua com otimização e expos a otimização de comportamento termodinâmico de sistemas de refrigeração por amônia utilizando de modelos de aprendizagem de máquina em tempo real [5].

Com uma pesquisa rápida no Science Direct [6], portal de artigos da Elsevier, utilizando de termos como “inteligência artificial”, “machine learning” e “otimização” associados as palavras “sistema de refrigeração” e “sistemas de refrigeração”, obtém-se 1059/1530 artigos de pesquisa em 2022 e para 2023. Para os anos anteriores, segue abaixo um gráfico indicando o crescimento em pesquisas na área.

Gráfico 1 – Artigos de pesquisa na área de sistemas de refrigeração. Fonte: Autoria própria por meio de pesquisa no Science Direct, portal da Elsevier. Pesquisa realizada em 04/12/22.

Referências:

[1] WILBERT F. STOECKER; JOSÉ M. SAIZ JABARDO. Refrigeração Industrial, 3. ed., p.530, São Paulo: Blucher, 2018 ( Referência principal – Aplicada a toda a publicação).

[2] CLAUS BORGNAKKE; RICHARD EDWIN SONNTAG. Fundamentos da Termodinâmica, 8. ed., p. 730 São Paulo: Blucher, 2018.

[3] JAMES M. CALM. Heat Recovery in Air Conditioning and Refrigeration, Proceedings of the International Symposium, Kuwait, 6–8 February 1983, Pages 159-169,1984.

[4] REFCONHVAC. Refrigeration system: problems, causes and solutions, 2018. Disponível em: https://refconhvac.com/refrigeration-system-problems-causes-and-solutions/. Acesso em 04/12/22.

[5] IIAR; CARLOS FERNANDEZ-ABALLI.Real-time Machine Learning Optimization of the Thermodynamic Behavior of Ammonia Refrigeration Systems, 2022. Gravada em 22/06/22. Site: https://www.iiar.org/IIAR/Education/IIAR_Webinars/IIAR/Videos/Webinars/IIAR_Member_Webinars.aspx?hkey=79ac416b-5a14-4fb2-bdb9-7882d4abf2e0. Acesso em 04/12/22.

[6] Science Direct. Science Direct. Disponível em :https://www.sciencedirect.com/.

Refrigeração Industrial: Uma Breve Introdução

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